sábado, 26 de abril de 2008

Gostosa insipidez da modernidade

É bem provável que você, leitor, já tenha ouvido o seguinte comentário: “naquela festa só tinha gostosa”. Sim, essa horrenda constatação mesmo, que eu tenho o desprazer de reproduzir aqui. A frase pode mudar, mas o trato dado às mulheres é o mesmo: “gostosa”. O tema é do mais baixo nível, mas terei que falar dele.
Fico pensando se aquele infeliz que disse tal grosseria iria repeti-la, caso a mãe e a avó dele fossem na tal festa. Penso que, se eu pedisse a ele para classificar a “beleza” de sua honrada mãe e de sua dedicada avó se ele chegaria à mesma conclusão. Talvez só usando de um argumento desses ele pensaria melhor e refletiria sobre a sua forma de pensar e de julgar.
O único modo de entender o por quê dessa expressão ter surgido é buscando o contexto dela, isto é, que tipo de mentalidade pode tê-la gerado.
Só aplicamos plenamente a expressão “gostoso”, “gostosa” às coisas sensíveis. Afinal, somente o que é sensível tem “gosto”, que é o reconhecimento que a nossa sensibilidade tem dos sabores. Gostoso é aquilo que é sensível.
Mas podemos, por analogia, aplicar esta qualidade às coisas inteligíveis. Dizemos que “ler é gostoso” ou que “conversar é gostoso”. Tudo aquilo que nos dá satisfação torna-se “gostoso”. Eis a primeira conclusão: tudo o que nos dá satisfação é gostoso.
Ora, aplicando isso ao comentário exposto, a mulher passa a ser vista como objeto de satisfação pessoal. Só se vê bem uma mulher na medida em que ela supre uma necessidade.
E isso nos faz pensar que a modernidade, que tão racional e racionalizante quis ser, na verdade trouxe o predomínio da sensibilidade sobre a razão.
O homem, evidentemente, é um animal. Mas não é um animal qualquer, pois foi dotado de inteligência e vontade. O homem foi criado à imagem de Deus, em virtude dessas características. Portanto, não é mais um animal em meio a tantas espécies. É um animal superior na escala de perfeição.
Pelo fato de o homem ter inteligência, ele é capaz de pensar seus atos, visando um benefício. Por isso mesmo ele faz ou deixa de fazer algo, pensando num lucro a médio ou longo prazo. O animal irracional só sabe perceber o imediato, já que não consegue entender o sentido dos seus atos. Ele apenas precisa suprir suas necessidades, e tudo o que faz é em função disso.
Um ser humano é capaz de conter o sono, já que precisa trabalhar ou estudar. Ele é racional, e por isso mesmo pensa nas consequências dos seus atos. Todo o homem visa sempre um bem maior. Dormir é um bem, mas ficar acordado para trabalhar ou estudar gerará um benefício maior, e por isso ele se contém. Todo o homem, por ser racional, é capaz de estabelecer relação entre as coisas, e por isso saberá optar pelo melhor. O animal irracional, pelo contrário, dorme quando tem sono, sem entender a possibilidade de usufruir de um bem maior. Para o animal, todo o bem é imediato. Sua forma de conhecimento vem do sensível. Toda a vez que ele sente necessidade de algo, busca suprir.
Mas o ser humano tem que se conter, caso queira ter uma vida razoável. Mesmo que tenha fome ou sono, deve controlar seus apetites visando um bem maior. O obeso deve se controlar caso queira ficar saudável. É o predomínio da inteligência sobre a sensibilidade. A consequência disso é que o ser humano é capaz de pensar no futuro. Ele faz planos a médio e longo prazo. Ele constrói seus atos sabendo que poderá vê-los concluídos num futuro não muito próximo. A razão humana conhece tudo pensando atingir um bem maior. Daí conclui Santo Agostinho que verdadeira será a felicidade que for mais plena e mais perfeita. Ora, Deus é infinito e eterno. Logo, a felicidade verdadeira é Deus.
Se a felicidade verdadeira é Deus, todos os nossos atos deverão feitos em função dEle, para que possamos atingi-Lo pela prática do bem. Daí surge a moral. Só o homem tem moral. Evidentemente, por causa da razão. A razão é capaz de ordenar os atos tendo em vista um fim; de organizá-los e buscar relação entre eles. A razão busca a causa final de Aristóteles: o sentido daquele ser.
A moral é este sentido que damos aos nossos atos para alcançar um fim. A moral são os atos que praticamos pensando num fim. O verdadeiro fim da vida humana é a felicidade, que só se encontra em Deus; por isso, verdadeira será a moral que colocar Deus como fim em todos os atos humanos. “Baseando-se nesta doutrina, torna-se evidente que toda a vida presente se dirige à perfeita possessão de Deus. Assim, deve-se compreender toda a nossa vida terrena. Não se nega nenhum dos valores humanos, mas tomamos todos, elevamo-los ao fim sobrenatural, segundo as palavras de Cristo: 'Procurai primeiro o reino de Deus e sua justiça: o resto vos será dado por acréscimo' (Mt 6, 33)” (DEL GRECO, P. Teodoro da Torre. Teologia Moral. São Paulo: Edições Paulinas, 1959, primeira parte, cap. II, 6, p. 35).
A moral é a ciência que trata dos atos humanos realizados para atingir o seu fim último, que é a felicidade. Só o homem é moral, portanto. O animal age em função da lei natural, obedecendo à própria natureza e lutando pela sobrevivência.
Por isso, a razão, ao pensar no seu fim último, é capaz de evitar certos atos e de realizar outros, ainda que sejam contrários às sua inclinações. Nesse sentido, o homem não seria absolutamente livre, pois só teria liberdade para fazer aquilo que é bom, e que não impeça a realização do seu fim último. Liberdade seria o direito que temos de optar entre um bem maior e um bem menor. O homem é livre para fazer o que é moralmente bom, apesar de ter a possibilidade de cometer atos moralmente ruins.
Mas voltemos à questão inicial. O fato é que classificar uma mulher como “gostosa” - com o perdão da palavra, caro leitor - implica em vê-la de um ponto de vista estritamente material, sensível, como um objeto de uso material.
Nesse sentido, é excluso qualquer utilidade do matrimônio. Este teria sido instituído para que unisse o homem e a mulher a fim de que eles gerassem filhos para a sociedade. Se o todo vale mais do que a parte, e se todo o ato deve priorizar o bem maior ao invés do bem menor; logo, bom será a união que trazer benefício ao todo, e não só à parte. Afinal, o matrimônio só beneficia a parte – o marido e a mulher. Mas pela reprodução, o todo é beneficiado. Logo, este é seu fim mais nobre. Daí diz a Igreja que o casamento tem duas finalidades: procriativa e unitiva. Primeiro, ele foi criado para a procriação, e segundo, para a união afetiva do casal.
Se só se vê a mulher como objeto de satisfação pessoal, exclui-se qualquer responsabilidade social e até mesmo religiosa, já que o próprio Papa São Pio X já dizia que o casamento deve dar muitos católicos para a terra e santos para o Céu.
Se se exclui qualquer finalidade na faculdade sexual do homem, isto é, se a faculdade sexual é vista apenas como objeto de satisfação humana absolutamente, e não mais em função de um objetivo maior - a reprodução -, negamos a moral. O homem já não vive para agradar a Deus em todos os seus atos, dando objetivo e sentido a todos os seus atos e direcionando esse sentido a Deus. Agora, ele passa a direcionar os seus atos para si mesmo, fazendo de si mesmo o fim último de tudo.
Se não há mais um Céu a ser ganho, um Deus a ser amado e uma alma a ser salva, qualquer ato humano deve ser feito em função do próprio homem, que transfere para si mesmo o centro da existência e da História. Todo o prazer - ainda que lícito - deve ser usado para satisfazer o homem absolutamente. Sem o Céu, o que resta ao homem é usufruir do que encontra na terra. Ele troca a plenitude e a perfeição do Céu pela corrupção e pela instabilidade das coisas materiais.
É por isso que uma mulher passa a ser vista como “gostosa”. É só assim que ele consegue enxergá-la. E o mais triste é ouvir isso de pessoas que se consideram católicas, mas cuja alma está longe de entender o que é ser católico.
Nietzsche foi um dos mais árduos defensores dessa moral dos avessos. Ele mesmo dizia que o homem deve ser livre para fazer o que bem entender. Não importa o que você faça, o importante é ter consciência do que você é. Freud também martelou a moral ao dizer que ela era a causa de todos os males psíquicos e de todas as doenças da alma. Para que o homem seja feliz, ele deve abolir a moral.
Na Modernidade, o homem se faz Deus. Fica completamente explicável por que ele não quer aceitar nenhum sistema moral, já que não entende o viver em função de um fim último, mas só o viver para si mesmo. Se Deus nos ama, nos quer felizes; então tudo vale. A Modernidade nega um Deus no alto e admite o homem como Deus na terra. No reino do Homem não há moral, pois é livre e sem leis, como preconizavam a Utopia e o Milenarismo.
Nietzsche crê que o homem, se for absolutamente livre, será melhor, já que as leis o escravizam. O resultado deste delírio filosófico é o slogan da Universidade de Sorbonne, durante tumultuados protestos estudantis de 1964: “é proibido proibir”.
Ora, se ser livre é fazer o que bem quiser, sem se importar com a reação dos outros frente aos nossos atos, e sem se preocupar com o resultado desses atos, o homem terá se rebaixado ao nível dos animais irracionais, já que estes não conseguem dar um fim a seus atos. Só fazem aquilo que o instinto manda, sem moral nenhuma. E quem faz tudo o que quer, no fundo, jamais será livre, pois se torna escravo dos próprios instintos, que desejam ser saciados acima de tudo, impedindo o auto-controle. Nietzsche e Freud rebaixaram o homem ao estado irracional.
Aliás, ambos acreditavam que o homem era um mero acaso da natureza. Ele não estaria na terra por causa da criação de Deus, sendo senhor de toda a terra, que devia dominar, mas reconhecendo o senhorio absoluto de Deus, primeiramente. A evolução gerou o acaso do homem. Ele pensa ser o centro da criação, assim como a criança pensa que é o centro de tudo só porque seu pai lhe dá tudo. Essa filosofia nega qualquer superioridade do homem sobre as demais criaturas. Caímos no niilismo, na negação de qualquer valor e de qualquer dignidade humana. Portanto, nada mais natural do que o homem agir pensando só em si mesmo, como um animal, já que ele não é mais do que um animal.
E um animal olha para a fêmea vendo nela apenas a satisfação da sua necessidade reprodutiva. E pode ser a mãe dele, a irmã ou a prole. Freud, ao negar a moral, daria espaço ao incesto e à pedofilia, por exemplo.
Em síntese, a expressão “gostosa” é mais uma grosseria do pensamento Moderno. Negando-se Deus, elimina-se a moral. A finalidade máxima do homem seria viver para si mesmo, atingindo todo o prazer que conseguir, já que a felicidade do Céu não existe. Sem moral, o homem vive para realizar o que lhe cabe mais, mas isso o torna mais próximo dos animais irracionais, já que estes agem por instinto. A vida humana torna-se imediatista, sem noção de futuro. Tudo deve ser imediato, pensando-se só no prazer.
Ora, toda a vez em que uma sociedade está em crise, ela cai nesse sistema. O fim da pólis grega gerou três filosofias: ceticismo, epicurismo e estoicismo.
O estoicismo aceitava todos os males que o homem viesse a sofrer. Era uma espécie de platonismo distorcido. O ceticismo negava que o homem viesse a conhecer algo. Tudo era instável, falso e enganoso.
Mas se não temos certeza de nada – apenas temos certeza que não sabemos de nada. Essa certeza era a única reconhecida pelo cético, que, pelo visto, nem era tão cético assim! -, a vida humana é incapaz de conhecer qualquer sentido. Vive-se pelo prazer, que se torna o sentido da filosofia epicurista.
Se a razão não conhece nada, a única solução é passar para a sensibilidade como forma de entender a vida humana. Sem o inteligível, o que sobra é o sensível. Se o ceticismo nega a razão, o epicurismo o complementa e afirma a sensibilidade: vive-se para ter prazer. Estas filosofias surgiram com uma crise na instabilidade da pólis. São fruto das insatisfações dos homens, que perderam suas certezas e esperanças. Passam agora a viver como os animais.
Os romanos tiveram fim semelhante. A filosofia dominante no fim do Império decadente era o famoso “Carpe diem”: aproveite o dia.
Ora, se devemos “aproveitar o dia”, temos que fazer hoje o que sempre quisermos fazer, pois não sabemos se viveremos até amanhã. Come-se, bebe-se...e não se trabalha mais. O Império que já estava aos pedaços ficou ainda mais corroído pelos preguiçosos romanos que aproveitaram o dia e viram a noite se aproximar, sem ter como vencê-la. É a velha estória da cigarra e da formiga.
Quando a luz da Idade Média foi declinando, por causa dos ataques que a sua estabilidade sofrera de todos os lados, o que surge em seguida é a Renascença. E a Renascença também vive pelo prazer, já que era hedonista. A arte renascentista era visivelmente imoral, com seus anjos nus e deuses sem virtude, a se embebedar nos prados.
A modernidade, por fim, ia surgindo. No século XIX, as filosofias estavam rumando para uma glorificação nunca vista da ciência, preconizada pelo Iluminismo do século XVIII. Toda a filosofia procurava ser “científica”, já que o conhecimento científico é o mais elevado. Nega-se a metafísica. Qualquer especulação que vá acima da esperiência humana e da ciência é falsa e sem sentido. Não há como conhecer a causa eficiente - que deu origem ao mundo - e a causa final - que é para qual se dirigem os seres, para a qual eles foram criados. O que passar dos fenômenos é ilusório. Era assim que pensava o Positivismo, por exemplo.
Negando-se a metafísica e colocando firme confiança na ciência dos homens, só se esperava um reino de plena felicidade, com o fim de todas as desgraças e a estirpação de todo o mal. Mas o que se viu - e ainda se vê - é o contrário.
Ao fim do século XIX, Schoppenhauer e Nietzsche formularam um pensamento pessimista e delirante. O homem que assistia o seu mundo científico desmoronar já não vê sentido em nada. A vida foi fruto do acaso, de um conjunto de forças naturais. Ao mesmo tempo em que se negava haver sentido em tudo, a pergunta que os filósofos faziam era: “por que tudo deve ter um sentido?” Ora, querer saber o sentido do sentido é absurdo para quem nega haver sentido. Nietzsche contribui com a formulação do pensamento niilista, negador dos valores e de qualquer finalidade da existência.
O que sobre no homem, se sua vida não tem sentido? O que sobra nele, se a inteligência não é capaz de conhecer nada - até porque se negava a metafísica -, e todos os seus atos alcançam fim nenhum?
O homem, composto de corpo e alma, com o fim do século XIX, nega que tem alma. Passa a ser só corpo. Sem o auxílio da inteligência, o que sobra é a sensibilidade do corpo. E esta passa a ser o sentido da existência. Daí a liberdade plena que Nietzsche tanto defendia.
Por isso o Marxismo definiu que “o homem é um animal que trabalha”. O homem só vive para o trabalho; é só isso que pode defini-lo. O centro do homem é seu estômago, é para ele que se vive. Mas Freud, adepto de idéias igualmente irracionais, dizia que o centro da existência estava um pouco mais abaixo, já que acreditava que o homem fazia tudo em função do sexo. E esta é a gloriosa filosofia moderna...e já moribunda.
Essa é a grande prova de que o homem moderno vive sua agonia final. A decadência atingiu seus últimos limites. O racional homem moderno vive seus momentos de pura animalidade. O sonho da razão gerou um verdadeiro zoológico social. E as mulheres são vistas sem dignidade nenhuma...digo, algumas mulheres, pois os mesmos indivíduos que bradam “gostosa!”, ainda exigem um trato digno para a mãe, a avó, a tia...etc.
Toda a sociedade quando perde o seu equilíbrio e tende à ruína cai no ceticismo. Houve ceticismo no fim do apogeu grego, no fim da Idade Média, durante a Renascença, e no século XIX. O ceticismo é a franca confissão de que aquele sistema perdeu sua harmonia, está desmoronando. Daí a consequência é o surgimento de filosofias hedonistas, que passam a achar o sentido da existência no prazer sensitivo. O homem animalizado é o resultado da perda de esperança num sistema.
Isso demonstra que, caso a teoria esteja certa, a Modernidade já não garante certeza nenhuma. O homem perdeu esperança naqueles que o divinizavam. Agora, o que sobra é a irracionalidade, a busca da realização pessoal na sensibilidade, já que a razão não consegue encontrar certeza nenhuma.
Com isso compreendemos que a Modernidade já está dando seus últimos suspiros. Ainda bem.
“E já vai tarde!” como diz o bem humorado dito popular.

3 comentários:

Anônimo disse...

Olá!
Salve Maria!

Excelente vosso blog, extremamente útil e interessante, de grande importaia na situação atual do mundo!
Que Deus lhe proteja para continuar combatento o bom combate!

Abraço

Devoto de Nossa Senhora de Fátima. disse...

Muito prezado Ivan,
Salve Maria!

É difícil ver, hoje, pessoas a favor da doutrina católica de sempre e contras essas "modas" de hoje em dia, que triunfam no mundo moderno.
É muito interessante, também, saber que você, Ivan, está defendendo a Fé Católica com ótimos argumentos.
Continue desta maneira, porque quem defende a Fé, no Céu, receberá um grande galardão.
Rezo por você e por seu blog.

in Jesu et Mariae,
Felipe de Oliveira Pires.

Evandro Monteiro disse...

Caro Felipe, salve Maria!

Parabéns pelo vosso blogue, acabei de conhecê-lo, ele é muito bom.
Aproveitando o ensejo, gostaria de convidá-lo para acessar o meu, "O Cruzado Missionário" - www.ocruzadomissionario.blogspot.com - .
Fique com DEUS e Nossa Senhora.

Evandro R. Monteiro