terça-feira, 3 de novembro de 2009

A criatura sem fim é o fim da criatura

ATUALIZAÇÃO: Foi só este artigo ser publicado para que eu tome conhecimento deste surpreendente vídeo, que é a confirmação de todas as idéias expostas aqui. Sim! A Ciência, hoje, pretende substituir Deus!

"Diz o néscio no seu coração: 'Não há Deus'" (Salmo LII, 1).

Pela quinta das suas cinco vias para provar a existência de Deus, Santo Tomás afirma que todas as coisas naturais se dirigem para o seu fim, ainda que não possuam inteligência para conhecer e desejar este fim. Isto se dá porque o próprio Deus, a Sabedoria infinita, dirige estes seres que são irracionais. O fim primordial da Criação não é o mero cumprimento das operações de cada natureza (como no caso de uma planta que germina, nasce, cresce, dá frutos, etc.), mas sim, dar glória a Deus.
A glória de Deus é infinita, mas esta glória é intrínseca à Sua natureza, e é a glória necessária por causa da perfectibilidade do Seu Ser. "Gratias agimus tibi, propter magnam gloriam tuam": nós vos damos graças, por causa da Vossa grande glória - diz o Glória.
Porém, além da glória intrínseca, a Criação dá a Deus uma glória que não é inerente ao Seu Ser, mas é extrínseca, e, por isso mesmo, finita: é a glória que cada criatura dá por receber em sua essência uma participação limitada no Ser divino. Então esta glória é limitada tanto quanto o ser que a dá é limitado em sua essência. Por isso ensina a doutrina católica que o mundo foi criado para manifestar a bondade e perfeição de Deus (cf. Romanos I, 20). O fim das criaturas é honrar a Deus, e mesmo os seres irracionais glorificam o Criador ainda que não possam conhecê-Lo e desejá-Lo, pois a glória que Lhe dão é o fato de existirem e fazerem a vontade de Deus quando são dirigidas por Ele em suas operações.
Mas, dentre tantas criaturas, existem também aquelas que possuem consciência, isto é, capacidade de conhecer e saber que conhecem: o conhecimento reflexivo ou racional. Na hierarquia dos seres, ocupam os postos mais altos os homens e, logo acima, as naturezas angélicas.
Possuindo uma alma racional - ou melhor, espiritual -, o homem pode glorificar a Deus livremente, o que é mais nobre, pois enquanto que a natureza irracional é guiada pelo Criador para cumprir suas operações, o homem ama a Deus porque quer, mesmo que tenha a possibilidade de fazer o contrário. E Deus não poderia premiar com o Céu ou condenar ao Inferno qualquer criatura racional concomitantemente à sua criação. Seria absurdo Deus premiar alguém sem mérito, ou condenar alguém sem culpa. Primeiro é necessário um momento intermediário, onde a criatura racional decide livremente amar o bem e rejeitar o mal, para que assim mereça ser elevada ao seu fim último, a bem-aventurança eterna.
Nem os anjos nem os homens, entretanto, merecem o Céu. Deus, ao criá-los, deveria apenas dar-lhes uma felicidade condizente com as suas próprias naturezas, um Paraíso onde usufruiriam do bem natural, isto é, do bem criado, tal qual no Paraíso de Adão. Por esta razão o "Paraíso" onde estavam os anjos não é o Céu propriamente dito, e foi neste local onde Lúcifer se rebelou contra Deus e foi lançado no Inferno. Os anjos que desejaram servir o Criador foram elevados ao Céu finalmente.
Sendo a criatura um ser contingente, isto significa que ela não possui em si a razão do seu existir, mas recebeu de outro ser. E se foi criada pelo Ser necessário (Aquele que possui em Si mesmo a Sua razão de existir), este Ser criou direcionando a criatura para algum fim, pois é próprio da razão agir com finalidade, e não há coisa alguma que seja feita sem um objetivo ou termo final. Mas como seria absurdo que Deus criasse as coisas com um fim que seja inferior do que Ele próprio, as criaturas foram feitas com um fim supremo: seu fim é Deus mesmo, glorificá-Lo e manifestá-Lo pelo seu próprio existir. Deus, sendo o Sumo Bem, só poderia ter feito as coisas para Ele mesmo, pois Ele é o Ser absoluto. Tudo deve convergir para Ele. Se Deus criasse as coisas para um fim inferior (a glorificação do homem, por exemplo), seria admitir que há um fim diferente de Deus, ou seja, que há um bem apetecível pelas coisas que não precise ser o Bem supremo. Então: ou o homem também é Deus, ou Deus agiu de forma absurda. Portanto, como as duas hipóteses são igualmente ridículas, Deus só poderia ter criado para que Ele fosse o fim da Criação.
Ora, mas se nem os anjos e nem os homens merecem o Céu - pois a sua condição de criatura os destinaria a usufruir do bem criado num Paraíso próprio, ao mesmo tempo em que conheceriam e amariam a Deus sem vê-Lo -, como Deus destinou as criaturas racionais para o Céu? O fim dos anjos e dos homens, portanto, é um fim sobrenatural, isto é, não merecido, e muito menos criaturalmente possível. O Céu não é merecido porque ninguém tem direito a ver Deus, por ser criatura. E o Céu não é possível porque a criatura, justamente por ser criatura, é incapaz de alcançar o Céu mediante seu próprio agir. Deus destinou as criaturas racionais com o Céu por amor, manifestando assim mais perfeitamente a Sua bondade ao convidar estes seres para participarem de Sua felicidade e beatitude. Somente com auxílio sobrenatural é que os anjos e os homens podem atingir o seu fim supremo. Este auxílio é a graça santificante.
O Céu consiste em conhecer e amar a Deus, mas nenhuma criatura alcança o amor necessário para vê-Lo. Deus mesmo dá aos anjos e aos homens um amor sobrenatural, superior ao amor da criatura, que é a graça. Esta graça é a Santíssima Trindade morando nos anjos e nos homens. Deus, sendo infinito, não pode simplesmente morar nas criaturas racionais, que são finitas. Então a graça é o resultado da presença de Deus no espírito, assim como o sol está nas coisas pela luz e calor que elas recebem, ainda que ele, em si mesmo, não possa iluminar e aquecer as coisas em sua plenitude sem que elas se destruam em sua incapacidade. A graça santificante é a participação na Vida divina, pois assim como as coisas iluminadas e aquecidas participam da luz e calor do sol sem ser o sol, do mesmo modo as criaturas participam da Santíssima Trindade ao receber a Sua Vida sem se identificar com Deus.
Mais propriamente, o que é a graça santificante? Se ela é a participação do viver divino, então ela é a união da criatura com o Criador: uma união íntima e pessoal, pois não se resume a um mero "acordo" entre Deus e os homens, mas numa união real e sobrenatural, que torna o espírito ligado a Deus, participando da Sua Vida. E justamente por unir a criatura ao Criador que a graça é santificante, pois é uma união que assemelha o homem a Deus, ou seja, que o santifica. Este foi o estado em que os anjos e o primeiro casal foram criados.
O amor a Deus que a criatura é incapaz de dar para merecer o Céu Deus mesmo dá, pela graça santificante. Esta união que assemelha a criatura ao Criador, que a faz participar do Seu viver divino, que permite a habitação de Deus nela, é o resultado da amizade e do amor da criatura para com o Criador. O melhor modo de comparar o efeito da graça santificante é o casamento. No amor, o casal é um; no número, são dois: marido e mulher. A união é a participação dos cônjuges na vida de ambos pelo amor. A graça santificante une amorosamente a criatura ao Criador, pois Deus, Sumo Bem, é desejado e possuído por ela.
O Céu é o fim do homem, um fim sobrenatural, ao qual Deus o destinou por Sua bondade. Para alcançar eficazmente este fim, Deus lhe deu a graça santificante em sua alma, e pela graça o homem possui a Deus, assemelhando-se, unindo-se e amando o Criador.
Mas se o Céu é a posse intelectual da essência de Deus (a criatura que vê, ou melhor, que conhece a Deus e o ama), como pode a graça santificante ser a "posse de Deus na alma", a sua "união com Ele", sendo que os anjos e o primeiro casal foram criados com a graça, num Paraíso que ainda não era o Céu?
A graça santificante é a garantia do Céu, já é o Céu, mas de modo invisível: é a criatura unida a Deus, mas ainda sem vê-Lo. No Céu, esta união tornar-se-á visível. Cada criatura está unida a Deus tanto quanto está participando da vida divina pela graça. Por isso uns são mais santos que outros, tendo em vista os seus méritos. O seu grau de participação do viver de Deus é o grau de união com Ele, e o grau de semelhança. Quanto mais amigo de Deus, quanto mais a criatura o deseja, mais o possui. Por isso este mundo é considerado nada em comparação com Deus, que é o tudo das criaturas: "Na verdade, julgo como perda todas as coisas, em comparação com esse bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Por ele tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo" (Filipenses III, 8).
Em termos humanos, pode parecer incompreensível que Deus tenha feito tudo para receber amor das criaturas, pois supõe-se egoísmo. Deus não pode ser egoísta. Ele não "se faz" o centro, Ele é o centro, por razões óbvias: Ele é o Ser absoluto, ao qual tudo deve tender. Ele não "se faz" fim último, porque é o Sumo Bem. E se Ele tudo criou, ao invés de lamentarmos a inevitável incompreensibilidade do mundo - que é admirável perante os míopes olhos da humanidade decaída -, deveríamos, ao menos, honrá-Lo por nos ter dado o bem da vida. O homem se escandaliza com um filho que nega amar e cuidar do pai, ou mesmo se esbraveja com um animal de estimação que contraria as suas ordens, como então queremos faltar com o amor a Deus por achá-lo "egoísta"?
Sem falso intelectualismo, rezemos estas duas jaculatórias essenciais para o estudioso de Filosofia e Teologia: "Ó Jesus, meu fim último e Bem supremo, tende piedade de mim" e "Ó Jesus, que nos criastes para Vós, fazei que vivamos inteiramente para Vós".
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Como se sabe, o ser ou é contingente, ou é necessário. Contingente quando não possui em si a razão do seu existir, isto é, outro o fez existir. Necessário quando ele possui em si a razão do seu existir, não precisando ser criado, mas existindo por si mesmo e em si mesmo. O único ser necessário é Deus, pois os seres contingentes são necessariamente criaturas.
As criaturas, justamente por serem contingentes, devem ter um fim, pois o Ser necessário deu-lhes a existência por alguma razão, que é o seu termo último. O ser contingente concomitantemente recebe um fim. Se foi criado, tem um motivo. Somente o Ser necessário não tem fim, pois não precisa atingir nada anterior ou superior, já que é o Ser absoluto e Sumo Bem.
Estas linhas, da mais pura Filosofia e do mais claro bom senso, são ignoradas pela classe intelectual do mundo moderno. Ignoradas, não. Rejeitadas.
A Psicanálise, a Psicologia, a Filosofia e a História, da forma como são entendidas e desenvolvidas hoje, consideram que o homem busca Deus para explicar fenômenos misteriosos, para consolar-se dos males da vida, para superar a sua inevitável mortalidade e finitude, para projetar num ser invencível tudo o que ele mesmo não é. Deus é visto como a sua auto-superação, a sua tentativa de fuga das próprias misérias. Quando o homem compreende a sua limitação sem cair em desespero, mas a aceita e a assume, Deus se torna desnecessário. Então é Ele que pode ser superado.
Este argumento pueril demonstra o quanto estão frágeis os fundamentos das Humanidades desde a revolução que a Filosofia sofreu com o advento da Modernidade. Se ele possui uma certa atração para os incautos, sob a luz da razão não há como subsistir.
Dizer que Deus é um Ser "criado" para a auto-superação do homem não é uma prova da Sua não-existência, mas um argumento para explicar por que Ele foi acreditado por tantos povos. O argumento contra a existência de Deus deve ser de natureza metafísica, e não psicológica. Transpor este problema para a disciplina errada só demonstra a não compreensão da matéria. Se alguns povos projetavam em Deus os seus medos, nem por isso Deus necessariamente deve ser um mito, mas é a prova de que Ele foi concebido mitologicamente por alguns.
Ademais, ensina Santo Tomás que se chega ao Imutável por meio daquilo que é mutável, como também se chega ao Perfeito por meio daquilo que é imperfeito. Não é a ausência de perfeições da natureza humana que a faz imaginar um ser invencível que seja tudo o que ela não é. Pelo contrário: o homem atinge o conhecimento de Deus pelo que ele tem, pois somente observando as perfeições das criaturas é que se concebe um Criador infinitamente perfeito. Se o homem projetasse em Deus os seus anseios, Deus seria uma consolação humana, uma tentativa de alcançar aquilo que a natureza humana não possui. Mas sabemos que o espírito filosófico - ao menos dos gregos - é suficiente para refutar esta idéia. O que moveu os filósofos foi o amor à verdade, por meio do qual eles compreenderam a necessidade da existência de Deus. E, dependendo do sistema religioso, nem sempre é válido pensar que Deus seja apenas uma "ferramenta" para a auto-superação humana dos seus medos e das suas limitações, pois é justamente de limitar e amedrontar os homens que muitas religiões são acusadas, com seus rituais severos e punitivos, o que inclui a ameaça do Inferno, comum a muitas delas.
E se no passado os homens recorriam a Deus para explicar os fenômenos da natureza, hoje, os cientistas recorrem a Deus para explicar a explicação dos fenômenos, visto que a Ciência é limitada e não compreende a realidade em seu sentido profundo. Voltamos à quinta via de Santo Tomás: se o universo é ordenado, é porque há um Ordenador. É isso que pretende a teoria doDesign inteligente.
O argumento dos "intelectuais" da Modernidade é medíocre. Defender que Deus é fruto de "medos humanos" e que hoje o homem superou este estado só responde as razões psicológicas para a crença nEle, por parte de certos grupos, mas não nega pela metafísica que Ele não existe. É o mesmo que um vegetariano começar a negar a existência da carne só porque agora "não precisa" da proteína animal; ou seja, uma coisa não prova a outra. A superação de um estado psicológico de medo, angústia e terror não prova a inexistência de Deus por causa de uma humanidade mais consciente.
Há ainda outro argumento contra a existência de Deus, que parte do mesmo princípio. O homem busca a Deus porque quer encontrar o sentido da vida, o fim da criatura. Segundo estes "intelectuais", pretensos conhecedores de metafísica, o homem é incapaz de viver sem um fim: a vida tornar-se-ia insuportável. Para não admitir que o mundo é fruto do acaso, que a vida não faz sentido, e que não seremos compensados pelo bem que fizemos e muito menos pelo mal que sofremos, o homem projeta um Deus, como também um fim. Ele dá sentido à existência, para que assim não caia no desespero, e ainda tenha um motivo para tudo sofrer e suportar. Deste modo, os males não só são justificados, como também aceitos. Mais uma vez, prova-se que não foi Deus quem criou o homem, mas o homem que criou Deus para o seu próprio consolo. Deus é um sonho infantil da humanidade, que ainda não está preparada para enxergar a realidade, ou está relutante para a vinda deste dia.
Novamente temos um argumento com forte capacidade de convencer. Mas ficar convencido por ele é também trocar o caráter metafísico do problema pelo psicológico: o homem não se contenta com a não-existência de um fim, e prefere criar um a viver sem. Este argumento, apesar de sedutor, é fragilíssimo. Porque, para ele ter solidez, deveria ser evidente que não há um fim, o que é problemático para a metafísica. O argumento, em si, não prova que "Deus não existe", mas pretende explicar porque Deus foi buscado. Ademais, buscar o fim da existência não é uma "fraqueza", mas o exercício óbvio da racionalidade humana.
Na verdade, este argumento possui uma consequência mais profunda. Caso ele negue um fim para a existência, supera-se o caráter contingente dos seres, pois, como foi dito, todo o ser contingente necessariamente tem um fim, visto que outro ser deu-lhe a existência por algum motivo ou razão. Se o ser contingente não tem um fim, não precisa atingir algo, então ele é auto-suficiente, bastando-se a si mesmo. Em outras palavras, o ser contingente torna-se ser necessário e absoluto. Negar que os seres possuam um fim é igualá-los a Deus, pois Deus não precisa atingir nenhum fim, sendo Ele o Seu próprio fim. Se se sabe que os seres espalhados na natureza são limitados, finitos e imperfeitos, necessitando de uma causa, negar um fim para estes seres seria violar-lhes a sua própria criaturalidade. Em outras palavras, a criatura sem fim é o fim da criatura, pois de criatura passa a ser Criador, isto é, Ser absoluto, que nada precisa atingir, sendo beato em si mesmo. Quando o argumento afirma que o homem procura um fim e é incapaz de viver sem um sentido, não está revelando uma fraqueza do homem, mas a sua própria condição de ser contingente, que compreende pela razão a necessidade de um fim.
Agora torna-se mais compreensível a epígrafe deste trabalho. O néscio nega a existência de Deus em seu coração, não em seu intelecto. Isto significa que ele não quer, em sua vontade, que Deus exista, apesar de não conseguir provar a sua inexistência pela razão. Estes argumentos da pretensa intelectualidade orgulhosa de nosso século só demonstram a tentativa de tornar o homem auto-suficiente, ainda que se desvie o caráter do problema, de metafísico para psicológico, ou então "psicanalítico".
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"Se Deus não existe, tudo é permitido", disse sabiamente Fiodor Dostoievski, escritor russo. A conclusão é obvia: sem um fundamento absoluto para a realidade, que é referência universal, tudo se torna relativo. Ademais, sem Deus, não há mais moral, pois os atos humanos não estão mais aproximando ou afastando os sujeitos de seu fim. Deste modo, tudo é permitido, pois sem o Bem, não há o mal. Matar deixa de ser pecado, porque este ato já não é uma aversão a Deus quando Ele não existe. Então o bem se torna relativo.
Contra esta conclusão inevitável muitos ateus se levantam, para defender a possibilidade sadia de sua tese. Afinal, negar a existência de Deus é abrir ao homem a possibilidade de tudo fazer sem agredir ao seu fim, pois já não há um fim para a sua existência. Deste modo, o ateísmo é um liberalismo absoluto. Para uma sociedade, tal tese seria desastrosa, pois levaria à sua própria auto-destruição. Nenhuma ordem se sustentaria quando não há ordem objetiva, apenas convenções humanas, que não obrigam moralmente a ninguém. A única alternativa é dizer, com Rousseau, que o homem é naturalmente bom, acreditando que ele sempre optará pelo bem quando tem todo o direito de fazer o que melhor lhe aprouver.
Fugindo do caos ateísta, surge a idéia do "ateu virtuoso": aquele que vive a moral, mas não crê em Deus. Tal alternativa é absurda em dois sentidos. Primeiro, a virtude é o hábito de praticar o bem. Mas se Deus não existe, tudo se torna relativo, de modo que não há mais "o bem". Segundo, nenhum ateu é obrigado a fazer o bem se a existência não possui um fim. O bem será aquilo que ele considera como bem, isto é, um bem relativo. Logo, haverá vários "ateus virtuosos" (sic) praticando vários tipo de moral, e cada um acreditando estar fazendo o bem. Até mesmo os crimes podem ser vistos como um bem moral quando tudo é relativo.
Por último, o "ateu virtuoso" é a prova de que o ateísmo não pode existir enquanto prática, mas só como idéia. O ateu que quer viver virtuosamente está ordenando os seus atos para algum bem. Isto já é reconhecer um fim extrínseco ao ateu. A idéia de que "Deus não existe", enquanto idéia, é possível, mas impossível enquanto prática, pois, negando Deus, o ateu o substitui por outro fim, que pode ser o prazer, o poder, a riqueza, a fama, a saúde, etc. Estes bens tornam-se "o absoluto" do ateu que nega o Absoluto propriamente dito.
A própria escolástica tomista já considera isso pela noção de "natureza". Natureza é "um ser visto do ponto de vista de suas operações". As criaturas possuem uma natureza que busca um fim, isto é, que quer ser completada. Ela opera tendo em vista um fim. O comer pressupõe a necessidade de comida; o beber, da bebida; o conhecer, da verdade, e o querer, do bem. Uma natureza que age para atingir um bem que lhe é próprio está buscando o seu fim. Portanto, o ateu, quando nega a Deus, nega o Ser absoluto, necessário e transcendente, mas torna alguma criatura ou bem criado o seu fim alternativo e substituto. O "ateu virtuoso" torna o bem visado pela virtude o seu fim. Portanto, na prática, o ateísmo é inviável, impossível. Enquanto idéia, ele pode subsistir.
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Viu-se que a medíocre intelectualidade de nosso século ignora Deus porque não vê necessidade de um "fim" para o homem, e que buscá-lo é uma fraqueza a ser superada. Em seguida, passa a negar a existência de Deus com base nesta argumentação.
Mas também se viu que, ainda que Deus não exista, o homem faz de algum bem criado o seu fim, ao dirigir-se-lhe e visá-lo em suas operações.
Sendo assim, observamos que os mesmos intelectuais de sabedoria idiotizante agem exatamente conforme o previsto no parágrafo anterior: elevam algum bem criado à condição de fim, ainda que disfarçadamente pensem tê-lo negado. Karl Marx faz do dinheiro o bem máximo visado pelo homem; Freud, do sexo. Os historiadores e filósofos preocupam-se somente com o bem estar social, imaginando uma Utopia que supere o status quaestionis do "Capitalismo selvagem".
Estes intelectuais também atacam a existência de Deus por vê-Lo como uma tentativa do homem de superar a sua própria limitação, fraqueza e mortalidade. O melhor é o homem se aceitar enquanto tal. Deus seria uma quimera da imaginação humana.
Curiosamente, o "homem moderno", que supera Deus graças à sua pretensa sabedoria, cria seres que cumprem o mesmo objetivo de Deus ao ser "projetado" pelo homem em sua inteligência. O homem imagina em Deus todas as qualidades que ele não possui: imortalidade, invencibilidade, onipotência, onisciência e onipresença. Mas, na ausência de Deus, alguns seres imaginários assumem estas perfeições, para continuar consolando o homem, agora ateu.
Digo isso tendo em vista este vídeo, de uma risível situação. Enquanto uma especialista era entrevistada num programa local, explicando a prevenção da gripe H1N1, um desequilibrado surpreendentemente entra no estúdio, e diz, ao vivo, que a solução está nos extraterrestres. Eles é que nos darão a cura, basta procurá-los. Até então tudo esteve censurado. O louco é retirado de frente das câmeras, mas ainda é possível ouvir os seus gritos de "socorro" ao ser expulso do local.
Este é o homem moderno, com o seu glorioso cinismo intelectual. O episódio do louco é só um indicador da mentalidade deste século. Hoje, a cura deve ser procurada entre os extraterrestres, mas não em Deus. Deus é uma fantasia humana, fruto do barbarismo e selvageria de tempos passados. Hoje a ciência explica tudo, e o maravilhamento causado pela natureza já não nos deve levar à busca de um Ser transcendente.
Todo o esforço intelectual que levou os filósofos ao conhecimento de Deus deu lugar a um homem soberbo e cínico, que prefere acreditar em extraterrestres a ter que admitir a existência de Deus. Deus morreu para o homem moderno, mas em seu lugar levantaram-se muitas quimeras que procuram substituí-lo mediocremente.
A ficção científica sempre imagina seres de outros planetas, que são desenvolvidos, mais inteligentes, muito avançados, autores de uma civilização formidável, e desprovidos de muitas fraquezas humanas. Ainda que tenham tantas qualidades, estes seres preferem viajar para a Terra, a fim de ajudar os homens, de salvá-los da inevitável decadência, ou para preveni-los de um mal futuro. Este enredo fundamentou muitas estórias de nossa época. O exemplo mais claro é o do Superman.
E quem dera que fosse apenas ficção. Há gente que teoriza a respeito. Lembro-me de um livro que muito me prejudicou na minha conversão, pois além de me fazer perder tempo com leitura absurda, encheu-me de idéias que retardaram a minha redescoberta da Igreja. Trata-se de "Eram os deuses astronautas?", de Eric von Däniken. Este farsário, desacreditado pelos arqueólogos, não conseguiu conceber tamanha perfeição de tantas civilizações antigas, que erigiram monumentos de grande porte arquitetônico, sob rigoroso cálculo matemático. Egito é o exemplo mais claro. Estudando a mitologia de vários povos, Däniken supôs que seus deuses não fossem divindades, mas extraterrestres. Eles vieram, ensinaram vários conhecimentos técnicos, e foram embora. Mas os homens pensaram que eles fossem deuses, por causa da sua sabedoria e superioridade. O mesmo aconteceu com os astecas quando Cortéz e seus homens desembarcaram na América. O esplendor de suas vestimentas, o poder de suas armas e a imponência de seus navios fizeram os índios acreditar que fossem os deuses voltando. Tais eventos serviram para Däniken fundamentar a sua tese. O livro causou muita polêmica, mas tal qual O Código Da Vinci, impressiona os leigos, mas entedia os especialistas.
A obra de Däniken é mais um indicativo da mentalidade moderna. Sem Deus, o homem moderno se rebaixa a explicar as coisas através de idéias de uma estupidez clara. A "infantilidade" da crença em Deus dá lugar a uma atitude mórbida, que crê em duendes, em extraterrestres, ou em uma Física quântica que é quase uma Religião.
O argumento da classe intelectual contra a existência de Deus se aplica perfeitamente ao tipo ideal do homem moderno. Na ausência de Deus, finalmente ele se vê necessitando de um ser superior que o substitua, e aplica a uma quimera imaginária certas qualidades que ele desejaria ter. Isto explica porque sempre a ficção supõe que os extraterrestres são mais inteligentes, mais desenvolvidos, mais civilizados, de superioridade física e moral. Nunca imaginam uma espécie inferior, inclusive desprovida de inteligência. Até mesmo o dogma da Redenção é substituído pela filantropia interplanetária: se os ETs vêem, é porque eles querem nos ajudar.
Às vezes nem é necessário ir tão longe para substituir Deus. Hitler quis redimir o homem imaginando uma raça superior, supostamente apoiada pela Ciência, e que teria a glória de tempos remotos, pois voltaria à sua pureza originária. Curiosamente, certas notas da raça ariana nem Hitler possuía: os germânicos puros deveriam ser loiros, de olhos azuis e altos. Hitler nem mesmo alemão era, mas austríaco, e de ascendência judaica, como dizem. Tinha cabelo e olhos negros e era baixo. O fim último da raça humana era atingir a pureza ariana de outrora, mas, para tal, até mesmo Hitler estava incapaz de alcançá-lo, precisando também ser eliminado tanto quanto os judeus que ele matou.
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O mundo moderno, na ânsia de se livrar de Deus, endeusou a criatura, ao elevar certos bens naturais à condição de fim último, na ausência de um Ser absoluto, transcendente e necessário. Esta substituição atinge um limite quando chega ao absurdo e ao ridículo. Certas figuras são imaginadas pelo homem, fornecendo-lhe bens que ele já não pode mais procurar em Deus.
Deste modo, a pretensão orgulhosa de negar Deus por ser uma fantasia pueril dá lugar a uma atitude claramente estúpida, que é sintoma da insatisfação do homem com as coisas criadas, e o seu desejo de achar um ser que lhe sirva como Deus, projetando nele certas qualidades e perfeições que o homem mesmo não possui. Não há prova mais clara de que uma época está doente do que um mundo que nega Deus, mas espera em extraterrestres.

2 comentários:

LUCIANA disse...
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Dário Benedito Rodrigues disse...
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